segunda-feira, setembro 24, 2007

O PASTOR


Em tempos existiu um homem, não sei a sua idade, apenas me lembro dele sempre "velho", com um rosto castigado pelo sol da Planície Alentejana, de pele morena e enrugada, de semblante fechado, mas com um sorriso que só alguns de nós conhecíamos, com uns olhos pequenos, que pouco denunciavam, mas que, também, só nós os fazíamos brilhar.
Um corpo esguio, já curvado e com "uma nódoa no peito", que ele justificava deste modo:
"toda a vida fui pastor,
toda a vida guardei gado,
tenho uma nódoa no peito,
de me encostar ao cajado."
Nunca vimos esta nódoa, mas sempre acreditámos que ela existia!
Era um homem duro, marcado pela dureza do trabalho do campo e, dos anos a fio, apenas na companhia do seu cão (um rafeiro enorme, o qual nunca soubemos a raça) e do seu rebanho. Nunca o vi dormir, e ficava furioso sempre que via a sua ceara pisada, devido às nossas brincadeiras.
Vivia num monte, com a esposa, os filhos, à muito que tinham partido, e os netos, esses, vinham de vez em quando, aqueles que estavam mais perto, os outros... apenas nas férias.
Mas era apenas por eles que ele sorria e lhe brilhvam os olhos, coisa rara habitualmente, mesmo, quando ficava furioso por causa dos estragos da ceara.
Um monte lindo (sem água canalizada, sem luz eléctrica, etc.), com as paredes enegrecidas por causa da lareira, onde tudo cheirava a lume.
A sala "mobilada" com os sacos dos cereais, que nos enchiam de "brotoeja", quando as subíamos.
Não havia televisão, nem rádio... eles contavam histórias, contos e anedotas, cantavam e, nós aprendíamos, havia gargalhadas de crianças felizes.
E a cafeteira de barro cheia de café, com uma brasinha lá dentro, sempre ao lume... não existe nenhum sabor como este em todo o mundo.
Lá fora, avistava-se a planície, salpicada de outros pequenos montes, semelhantes a este, um cenário que, só quem o vislumbra o sabe descrever.
Ali nasceu, cresceu, criou os filhos, apenas não foi dali que partiu.
Mas serão sempre recordados, com os seus rostos morenos, ela com as bochechas rosadas, sorridente, ele com o semblante carregado, o corpo curvado e as mãos calejadas, coladas ao cajado, como se este fosse um seu prolongamento, e, felizes com a vida que tiveram. Rostos diferentes dos que vemos actualmente nos nossos "velhos"!!!

2 comentários:

Me disse...

Não é preciso ter-se muito para ser-se feliz...Bonito texto.
jokas

Anónimo disse...

....que SAUDADES.....há muito que não sentia aperto tão grande no coração de tantas saudades....

Obrigada por me fazeres recordar!!!